Rico Dalasam não passa despercebido na periferia de Taboão da Serra, cidade da região metropolitana de São Paulo, lugar onde nasceu e se criou. Com o cabelo escovado, blusa verde flúor e saia tipo kilt, ele contrasta com os tijolos das casas de alvenaria e com homens que bebem cerveja em um bar, em uma rua sem saída no bairro Cidade Intercap, em um típico e quente dia de verão. "O pessoal fica assim olhando, 'quem é esse louco?'. Até alguém comentar: 'é filho da dona Ana. É daqui mesmo. Ele é assim'", comenta, em entrevista ao UOL.

Rico passou pelas famosas batalhas de MCs do metrô Santa Cruz, na zona sul de São Paulo, em uma época em que Rashid, Projota e Emicida ainda estavam no "mesmo rolê". Porém, no lugar das rimas fortes em tom de denúncia -- como faziam os Racionais MC's na época em que ouviu "Homem na Estrada" pela primeira vez, aos quatro anos de idade --, Rico cai na "ferveção" e versa sobre aceitação, gêneros e relacionamentos. "Boy, eu quero ser seu man", ele canta em "Aceite-C", que usa como base um irresistível sample de "O Mais Belo dos Belos", de Daniela Mercury. A música é o primeiro single do EP "Modo Diverso", que deve cair na internet ainda este mês. "Não tem jeito. Protesto gay é fervo", observa.
A letra confessional de "Não Posso Esperar", sobre a aceitação da própria sexualidade e as primeiras paixões, guarda certo teor político. Mesmo com festa, ele quer reunir dois movimentos que, na sua concepção, andavam desunidos: o negro e o gay. Já tem até nome para o próximo trabalho: "Orgunga" -- junção de orgulho negro e gay.
"Em alguma época, no período da ditadura, havia uma relação forte do movimento LGBT com o movimento negro. E daí veio o pajubá, que é esse dialeto usado pelos gays, que tem essa coisa do iorubá [língua nígero-congolesa] misturada com o próprio movimento gay. É uma coisa que se perdeu e que podia estar mais avançada", observa.

Rico enfrenta com "carão" uma segregação velada, mas ainda tabu dentro do rap, que muitas vezes delimitou homens e mulheres de uma maneira estereotipada. Entre o pajubá e a linguagem da quebrada, ele diz que a realidade é outra.
"Tem 'muita gay' que vai a shows de rap. Ela gosta, tem o CD, ela se sente parte daquilo, apesar da rejeição. Ela consome aquele entretenimento e vai embora." Para ele, o hip-hop precisa invadir espaços e fazer valer um de seus preceitos: o de igualdade. "O próximo estágio é estar todo o mundo ali no mesmo espaço, casais, todo o mundo convivendo por uma visão maior. O hip-hop é bem mais."
Em agosto do ano passado, Rico se apresentou na abertura do show de 25 anos dos Racionais em Belo Horizonte, para uma plateia que o desconhecia completamente. O público se animou. Nos bastidores, o cumprimento foi protocolar.
Mano Brown já assistiu ao colorido e dançante clipe de "Aceite-C" (assista aqui). "Ousado, né?", teria dito ele, lacônico, segundo relatos de amigos. "Mas você vê que não é neguinho" -na quebrada, o termo "neguinho" define quem quer ser algo que não é. "O rap e a igreja são parecidos. Eles sabem (da sua sexualidade), mas não comentam", observa Rico.
Da igreja à escova no cabelo
Quando criança, Rico entrou para a igreja evangélica com a mesma dedicação que hoje presta à carreira. "Fui subindo de cargos na igreja, tá ligado? Fui arrastando todos meus amigos para lá. Mas depois de quatro anos, eu percebi que não daria mais. O próximo passo era casar. Aí não dava."
A mãe, Ana Célia, interrompe: "Ele merece tudo do melhor. Nunca deu trabalho". Exceto, lembra ela, quando foi chamada com urgência na escola. O filho tinha acabado de socar o nariz de um aluno. Era um rapaz que fazia questão de chutar a bola para acertá-lo. Com medo das agressões se tornarem mais sérias, Rico mirou seu murro no nariz do algoz. "Era ele ou eu", comenta hoje. Já o pai ele não vê há 20 anos. Não sabe nem por onde anda.

Rico parou de estudar e perdeu o interesse. Fazia de tudo para sair de lá. Sentia o racismo no olhar dos alunos. Era o único negro. A realidade ajudava a construir sua consciência. "Eu ficava com o pessoal do bairro e aí todo o mundo se parece, todo o mundo é negro, mais escuro, mais claro, todo o mundo é pobre. Isso mexe quando você sai do bairro e vai para São Paulo. Foi quando eu senti essa estigma do racismo, da dona segurar a bolsa, o segurança da loja ficar de olho."
Para fugir da "atmosfera de pequenos furtos" que já rondava a vizinhança, como descreve, deu vazão a um prazer: ganhava uns trocados fazendo penteados e tranças. Após estudar moda e audiovisual, meteu as caras no mercado editorial e trabalha até hoje como produtor de moda.
Nas rinhas de MCs, começou a desenvolver a própria imagem. O cabelo sempre esvoaçante guarda inspiração em Little Richard, Andre 3000 e Prince. A estética, para ele, é tão importante quanto os versos. "Hoje estão começando a ver a real dimensão que o hip-hop tem", prega.
Uol Musica